sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Pra Relaxar

Fim de semana chegando, vou viajar amanhã e não tenho tempo para um post sério. Ficam aqui algumas dicas para as horas de folga.

Filme: O Nevoeiro






Baseado em um livro de Stephen King, este é um thriller que realmente prende o espectador. A história começa com um pai indo com seu filho comprar alguns materiais para arrumar sua casa depois de uma tempestade no dia anterior. No entanto, quando estão na loja ficam sabendo que algo deu errado na base do exército que fica nas montanhas vizinhas. Um nevoeiro os deixa com visibilidade nenhuma, ilhados no supermercado. A tensão vai aumentando com o isolamento, levando as pessoas inicialmente sensatas a tomarem atitudes cada vez mais desesperadas. O filme também têm um dos melhores finais que já vi, recomendadíssimo.

Livro: Café da Manhã dos Campeões





De Kurt Vonnegut. Esse foi o primeiro livro dele que li, e foi amor a primeira vista. O livro é cheio de personagens malucos e um narrador mais ainda.  Loucura é o tema central da história. É bem curto, e vale muito a pena.

Som: Criolo - Nó na orelha


Acredito que a maioria das pessoas que me conhecem já ouviram, mas pra quem ainda não ouviu, album imperdível. Pra quem quiser saber mais, uma entrevista com ele aqui.

É isso. Semana que vem volto com um post sobre a insuficiência dos esforços individuais para preservar o meio-ambiente.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Questão Grega

 Assisti essa semana ao documentário Debtocracy, que fala da crise grega após 2008. O documentário é muito bom, embora não tanto quanto Inside Job. O documentário se concentra em mostrar a crise do ponto de vista  do cidadão comum grego, um dos que mais sofrem com a crise financeira, sem se alongar na explicação da crise em si. Nesse texto vou pela mesma linha, pois acho que a crise já foi explicada de todos os jeitos possíveis.




A crise de 2008 afetou todo o mundo, mas alguns países estão sofrendo muito mais que outros. Mas porque essa diferença? O caso da Grécia é exemplar. A Grécia é um país periférico na Europa, com uma economia pouco importante (cerca de 2,5% do PIB da União Européia). Seu baixo grau de desenvolvimento (em relação aos outros países da UE) reflete a baixa produtividade de sua economia. Antes de sua entrada na UE, isto não era problema: a baixa produtividade de sua economia era compensada por uma moeda desvalorizada frente às moedas dos outros países desenvolvidos, que fazia com que suas exportações fossem competitivas, por uma questão básica em economia: quanto menos vale a moeda em termos das moedas estrangeiras (como o Real de 2002 a 2004), mais baixos os preços para quem usa a moeda estrangeira para comprar. Da mesma forma, encarecia as importações, fazendo com que mais bens fossem produzidos internamente, gerando emprego e renda.

Com a entrada na UE e a adoção do Euro como moeda, a Grécia perdeu a capacidade de determinar o valor de sua moeda. O Euro, desde sua implementação, teve seu valor baseado nas moedas mais fortes, como o antigo marco alemão. Por isso, seu valor nunca ficou abaixo do dólar. Para os gregos, isso significava que suas exportações ficaram seriamente prejudicadas, quando não totalmente impossibilitadas. Enquanto isso, as importações aumentavam, não só as provenientes da Europa como de todo o mundo, causando o efeito inverso do descrito acima.

Entrar para UE, no entanto, não trazia apenas desvantagens. Por ser parte de uma união tida como fortíssima na época, a Grécia passou a ter acesso a financiamentos a custos baixos, que eram impossíveis quando não faziam parte da UE. Com dinheiro barato, o governo grego pode executar gastos que aqueceram a economia e evitaram os efeitos maléficos da moeda valorizada. O maior exemplo desta política foram as Olímpiadas de 2006 em Atenas.

Com a crise, secou a fonte de recursos que alimentara a economia grega. Começa então a agonia dos gregos. Recursos para impedir a falência do sistema financeiro grego só poderiam vir dos outros países da UE, e eles então exigem em contrapartida as chamadas medidas de austeridade fiscal.

As medidas de austeridade fiscal se traduzem em medidas de cortes da gastos do governo e aumento dos impostos, com o objetivo de gerar um superávit nas contas do governo para que este pudesse pagar a dívida que contraíra nos anos anteriores. Sem os gastos do governo que mantinham a economia aquecida e tendo de arcar com mais impostos, a sociedade como um todo se empobreceu. Com a população sem dinheiro para consumir, as empresas ficaram em dificuldade, tendo de demitir funcionários para continuar abertas. Com mais desempregados, há menos pessoas aptas a consumir, piorando a situação, no famoso círculo vicioso.

As medidas de austeridade impostas pelos países centrais de Europa (principalmente a Alemanha) causaram uma queda acumulada da renda da Grécia nos anos de 2009 e 2010 da ordem de 6,6%, de acordo com dados do Banco Mundial. E como podemos acompanhar, a crise lá está longe de acabar. Se torna inevitável nos perguntarmos: o que deu errado?

A resposta para esta questão está na crença inabalável dos formuladores de política da Europa em um modelo que se mostrou terrivelmente falho. Para eles, a credibilidade do país é o fator mais importante para sua recuperação, pois as pessoas são totalmente capazes de prever as consequências das decisões tomadas hoje. Assim, se o governo cortar gastos hoje, haverá recursos no futuro, o que levaria as pessoas a voltarem a consumir e investir na Grécia, fazendo com que a economia se recupere e que os gregos tenham então condições de pagar sua dívida. Ao contrário, se o governo continuar gastando, os agentes irão prever que a situação ficará ainda pior no futuro, e tirarão seu dinheiro dali o mais rápido possível.

O erro fundamental dos formuladores de política da UE está no fato de que as pessoas não são totalmente capazes de prever o futuro (o que é conhecido em economia como expectativas racionais). As pessoas tomam suas decisões em um ambiente de incerteza, em que normalmente esperam que a situação do passado se reproduza no futuro, a menos quem tenham algum forte motivo para crer em mudanças. Nas épocas de crises, há uma ruptura com o passado imediato e não há nada que leve as pessoas a acreditar que este irá se repetir. Com medo de um futuro pior do que o presente, as pessoas que possuem recursos para consumir ou investir preferem guardá-los, para que não sejam pegos desprevenidos. Com menos pessoas consumindo e investindo, caímos nos mesmos problemas descritos acima. É o que acontece na Grécia hoje.

Em um período de crise, o governo precisa gastar, pois seus cidadãos estão pessimistas demais. O gasto do governo aquece a economia, pois exige que mais pessoas trabalhem para atender a demanda do governo. Com mais empregos, há mais renda, mais consumo e o círculo se reverte.

Os tomadores das grandes decisões na UE, porém, têm demonstrado uma fé inabalável em suas teorias, não tentando nada diferente mesmo após 3 anos de fracasso e de um calote que fica cada vez mais provável. Os gregos poderiam ter tentado resolver sua crise por si só, abandonando o Euro, voltando a adotar o Dracma desvalorizado e declarando moratória de sua dívida, como fez a Islândia, mas na minha opinião agora já é tarde demais. Resta saber se as autoridades dos países centrais da Europa irão se reconciliar com a realidade ou se insistirão em medidas que estão fadadas ao fracasso. Medidas estas que além de não realizarem aquilo que deveriam, que é garantir o pagamento da dívida, ainda têm como efeito colateral um sofrimento tão grande para os gregos que podem os levar a fazer coisas como estas:

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Nota sobre o aumento do IPI

 Acordei hoje de manhã, e como faço todos os dias fui checar as redes sociais. Foi quando vi algo que me deixou muito chateado: uma pessoa reclamando que não poderia mais comprar o carro importado que planejava devido ao aumento da alíquota do IPI para carros importados.

Uma reação dessa só pode vir de muito egoísmo ou muita ignorância. Desde o ano passado, nós vemos sofrendo com a sobrevalorização do Real, que faz com que as importações fiquem mais baratas. Com importações mais baratas, os carros importados passam a competir com os nacionais, como podemos ver pela crescente oferta de carros chineses no mercado. O aumento da alíquota do IPI vem tentar remediar esta situação, uma vez que a solução mesmo seria uma política de juros mais baixos, que levaria a um real menos valorizados, fazendo com que o processo de desindustrialização que vivemos hoje se revertesse.

A política de redução de juros não é executada por vários fatores, entre os principais coloco: contenção da inflação, que devido a fatores técnicos é pouco afetada pelos juros brasileiros, e o fato de que qualquer governo no Brasil dependa do apoio do sistema financeiro para governar, sendo que este se beneficia grandemente da política de juros altos. Dito isso, temos o aumento da alíquota como um paliativo para evitar que mais empregos se percam na indústria. E lembrando que quanto mais desempregados, menor é o salário dos que ainda estão empregados. Portanto, essa medida se reflete diretamente na vida dos metalúrgicos que trabalham na indústria automotiva.

Claro que para que isso acontece houve lobby das grandes montadoras no Brasil, pois elas foram as maiores beneficiadas com a medida. Mas se o aumento de impostos sobre as importações não é a melhor medida a ser tomada, é melhor do que não fazer nada para proteger a indústria e os empregos aqui. Caso o câmbio estivesse num nível menos apreciado e mais competitivo, o que seria o ideal, o preço do carro importado seria o mesmo ou ainda mais alto do que com a nova alíquota. As exigências de conteúdo nacional que acompanham o aumento da alíquota vão na mesma direção: diminuir a vulnerabilidade da indústria ao câmbio sobrevalorizado.

A discussão poderia ir longe, com todas as questões que envolve, como o nível ideal do câmbio para o Brasil, mas concluo com a constatação de que é melhor uma medida paliativa de ajuda setorial do que deixar a economia a mercê do câmbio sobrevalorizado. A alternativa poderia muito bem nos levar a um retrocesso enorme, de volta aos tempos de economia primário-exportadora. Com tudo isso em mente, acho que a troca da camionete pode esperar mais alguns anos, não?

Peak Oil

 Começo o blog com o problema da dependência de petróleo da nossa sociedade. Na semana passada, acompanhando o twitter, vi dois artigos partindo de pontos de vista totalmente contrários. De um lado, um artigo do Post Carbon Institute, retuitado pelo José Gabrielli, presidente da Petrobrás, falando dos prognósticos para a produção e consumo de petróleo no mundo nos próximos anos, a partir de uma abordagem favorável a teoria do "peak oil" (já tentei traduzir várias vezes, mas não cheguei a um resultado satisfatório, se alguém conhece uma boa tradução, me avise). De outro, uma matéria do Wall Street Journal, chamada There Will be Oil em referência ao filme Sangue Negro, contrário a teoria do "peak oil". Mas o que seria o tal do "peak oil"?

Criado pelo geólogo americano M. King Hubbert, nos anos 60/70, a teoria do peak oil afirma que a produção de petróleo (ou de qualquer recurso não-renovável) ao longo do tempo pode ser descrita graficamente como um sino:

 Resumidamente, a teoria diz o seguinte: a extração de petróleo passa por três fases: a primeira (em azul) quando a produção começa, mas ainda não há uma demanda muito forte, exploram-se as primeiras reservas encontradas; na segunda, em verde, a demanda passa a crescer fortemente e a produção acompanha esse crescimento, explorando as melhores reservas; e a terceira e ultima, em amarelo, quando os melhores poços se esgotam e passa-se a produzir em fontes de pior qualidade e/ou maior dificuldade de extração, como por exemplo o pré-sal ou as areias betuminosas canadenses. Na terceira fase, a produção total começa a cair e os custos crescem cada vez mais.

Este é o grande problema de uma economia baseada no petróleo: até que a produção de petróleo atinja o ponto máximo, dificilmente a economia teria algum problema. Mas quando a produção começa a cair, não há retorno, e a situação só tende a ficar pior. A solução seria desenvolver alternativas ao petróleo antes da produção atingir o ponto máximo, mas aí entra o fator humano: porque as pessoas iriam querer uma custosa transição para uma base produtiva menos dependente de petróleo se até agora elas não tiveram problema algum em mantê-la? Este é o grande desafio das economias industrializadas no século XXI: como fazer a trasnsição para uma economia de baixo carbono enquanto isso ainda é possível, pois quando os recursos estiverem se esgotando, as pessoas tenderam a exigir estes recursos para as necessidades mais urgentes (por exemplo, produção de alimentos), e assim dificilmente haverá os recursos necessários para uma mudança tão grande na base tecnologica da produção. O resultado é potencialmente catastrófico: caso a transição não seja feita a tempo, corremos o risco de ter de nos conformar com um padrão de vida da primeira revolução industrial no futuro.

Os textos que me levaram a escrever este artigo se inserem nesta discussão: a teoria do pico de Hubbert é válida ou não? O primeiro artigo, do post-carbon, aceita a teoria como pressuposto e não a discute, trazendo apenas a informação de que o mundo pode atingir o pico de produção já em 2013, o que nos colocaria numa posição muito díficil, pelos motivos tratados anteriormente. Já o segundo, do WSJ, trata justamente da validade da teoria: uma vez que vemos a produção aumentando em varios lugares em que foi previsto o pico, não seria mais provável que a produção de petróleo continuasse aumentando junto com a eficiência energética da produção, levando a uma substituição "lenta e gradual" do petróleo por outras fontes?

É uma questão válida. Porém, uma leitura mais atenta do artigo nos leva a ver que ele incorre num erro muito comum na minha área de atuação: o erro de se considerar as coisas como sendo homogêneas, como apenas números numa planilha. Apesar de ser tratada como tal, a produção de petróleo não é homogênea: existe distinção entre petróleo leve, petróleo pesado e minerais betuminosos. O petróleo leve corresponde a primeira fase da produção de petróleo: fica próximo a superfície e é de fácil refino. É o petróleo mais valioso, explorado principalmente no Oriente Médio, pois em muitos outros lugares ele já foi esgotado. O petróleo pesado fica mais distante da superfície e é mais dificil de refinar, implicando em maiores custos de produção. É o petróleo do pré-sal e da bacia de Campos. Por fim, os minerais betuminosos são minerais como as areias negras canadenses, que apesar de não se encontrarem em forma de oléo puro, podem ser triturados para se extrair o petróleo que existe neles e separá-los dos outros minerais. O custo de extração do petróleo a partir de minerais betuminosos é o mais alto de todos, além do fato de que sua extração é de longe aquela que mais danos causa ao meio-ambiente.

Este é o grande erro do artigo do WSJ: o aumento da produção de petróleo hoje se dá principalmente pela produção de petróleo pesado, uma vez que as reservas de petróleo leve ou já se esgotaram ou já estão sendo exploradas. A extração de petróleo pesado, com seus maiores custos, leva ao aumento do preço do petróleo. Uma vez que o petróleo é usado em praticamente tudo produzido, o aumento muito forte de seu preço leva ao fenômeno conhecido como estagflação , quando os preços sobem e a produção diminui. Isto ocorre por um motivo muito simples: se o preço de todos os bens aumentam ao mesmo tempo, o poder aquisitivo da população cai, fazendo com que o consumo caia. Sem demanda, a produção se contrai. A produção de petróleo pode aumentar muito, uma vez que é possível até mesmo extrair petróleo do carvão, mas o custo disso seria absurdo. Não é uma questão de simples oferta de petróleo, e sim de que esta oferta possa ser realizada a custos compatíveis com que a sociedade pode arcar. No limite, os custos de produção podem ficar tão altos por causa da dependência de petróleo que nem a renda total somada da sociedade possa garantir o mínimo para todos. Isto seria o colapso de nosso sistema produtivo, algo que pode ser evitado se agirmos enquanto ainda é tempo.

PS: Em uma palestra recente com um renomado economista do Banco Mundial, eu tive o desprazer de vê-lo responder a uma pergunta sobre os limites naturais a produção com a idéia de que não haveria colapso, pois a situação seria resolvida através do aumento dos preços. Espero que tenha ficado claro aqui que o colapso se dá por meio do aumento de preços, não sendo este uma alternativa a ele.