sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Porque apenas "fazer sua parte" não é o suficiente: Parte 1

 Neste post, volto ao meu tema principal: sustentabilidade ecológica. Hoje em dia, apesar de existir uma considerável consciência ambiental (como pudemos ver pela repercussão do movimento Gota D'Agua), ainda é predominante a idéia de que para resolver os problemas do meio-ambiente, basta "fazer sua parte", algo entendido como: demorar menos no chuveiro, andar menos de carro, consumir produtos cuja produção minimize os impactos sobre o meio-ambiente, e etc.

 Esta idéia é fortemente equivocada: o comportamento individual não gera impactos significativos sobre o meio-ambiente.  O problema central está no chamado individualismo metodológico, que basicamente é a idéia (muito difundida) de que o comportamento da sociedade é apenas a soma do comportamento dos indivíduos que a compõe. Isto não é verdade: a sociedade como um todo possui sua dinâmica própria, que não depende apenas daquilo que o individuo isolado pensa, até por este ser um problema fundamental: os indivíduos não agem de forma isolada, não sendo o comportamento de um totalmente independente do outro. Um exemplo prático disso é o chamado efeito manada, que pode ser claramente visto em momentos de crise financeira, como 2008. O individualismo metodológico é um tema grande demais para ser tratado aqui, mas espero que esta introdução seja suficiente para ao menos despertar curiosidade.

 Este artigo do New York Times, dá um panorama geral da ineficiência da resposta individual para preservar o meio-ambiente, e me inspirou a escrever este post. Pretendo escrever uma série de posts mostrando diversas exemplos do problema, para que fique mais claro, sendo que neste vou me concentrar na questão da água.
 A maioria das pessoas deve conhecer a campanha do Xixi no Banho:

Apesar de "bonitinha", existe um grande problema quanto a este tipo de campanha: não toca em aspectos fundamentais, como a proporção de água gasta no consumo residencial. No Brasil, o gasto urbano de água corresponde a apenas 11% do total de água utilizada, enquanto o uso residencial rural corresponde a apenas 2%. Mesmo que fosse possível uma reduzir pela metade o consumo de água nas residências e comércios, ainda assim o consumo seria reduzido em apenas 6,5% do total.  Quanto ao comércio, vale lembrar que uma redução muito alta do consumo de água implica maiores custos: basta pensar em um lava-jato, que precisaria contratar mais trabalhadores para realizar o mesmo serviço devido a impossibilidade de se usar água em abundância. Apesar de este ser um exemplo extremo, dificuldades poderiam aparecer em vários outros ramos.

 Por isso, antes de exigir que cada um "faça sua parte", é preciso pensar se uma ação coletiva não seria mais racional. Para isto, basta analisar verificar que 80% da água consumida no Brasil é gasta na produção agropecuária (especificamente, 69% na agricultura e 11% na pecuária). No Brasil, é largamente utilizado o sistema de irrigação por aspersão na agricultura. Enquanto este sistema têm uma eficiência de 70 a 85% (em termos de quanto da água utilizada efetivamente é utilizada pela planta), o sistema de irrigação por gotejamento tem uma eficiência de 90 a 95%. Mesmo considerando que não pudesse ser utilizado em todas as culturas e lugares, se pensarmos que pudesse ser usado em metade delas, isto já nos daria uma economia de aproximadamente 5,6% no consumo de água. Para obter o mesmo efeito com economia nos usos urbanos e residenciais rurais, seria necessário uma economia de 43% no consumo total, o que exigiria sacrifícios certamente maiores. Este cálculo foi feito muito por cima, mas o objetivo dele não é esgotar o assunto, e sim dar uma dimensão do problema.

  E ainda há um componente elitista na questão: se faz uma campanha a favor do xixi no banho, mas de que adianta fazer isto se você tem uma piscina no quintal? E apesar de não ter dados para isto, aposto que a maioria esmagadora das piscinas residenciais não são utilizadas nem três vezes por semana.

 Portanto, antes de apregoar que cada um deva "fazer sua parte primeiro e reclamar depois", é preciso ter em mente de que medidas como a imposição por lei de métodos mais eficientes do uso da água na agricultura, na indústria e de mais rigor na liberação de construções de piscinas residenciais dão muito mais resultado. O ponto central é de que, apesar de atitudes individuais serem importantes, sem ações coletivas elas não levarão a lugar algum.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Crise, o Maior Produto Alemão de Exportação

  De todos os lados vêm críticas e pressões para que a Alemanha aceite que o Banco Central Europeu passe a ter a mesma função que tem na maioria dos outros países do mundo (Brasil e EUA incluídos), o de emprestador de ultima instância. Analistas defendem que isso resolveria a crise, pelo menos por enquanto. Ser emprestador de ultima instância significa que, tendo o poder de imprimir moeda, o BCE poderia comprar os títulos dos países em dificuldades, o que faria com que o preço destes títulos subissem e consequentemente, que as taxas de juros necessárias para que estes países se financiem caíssem, o que recuperaria a solvência de países como a Itália e Portugal (a situação da Grécia já é muito difícil para que esta solução funcione lá) e evitaria o colapso do euro. Porque então a Alemanha continua a se opor?
O argumento oficial é de que se o BCE passasse a ser emprestador de ultima instância, perderia sua independência e estaria sujeito aos caprichos dos países membros, que se sentiriam a vontade para gastar mais do que podem tendo a certeza de que teriam recursos, o que arrasaria a credibilidade das políticas econômicas e as tornaria ineficientes a longo prazo. Ou seja, se baseia no dogma ortodoxo da credibilidade como o fator mais importante para a economia (cujos efeitos nefastos eu tratei aqui e aqui).

 Apesar de fazer sentido dentro da teoria econômica ortodoxa, eu acredito que exista outro fator, de igual ou maior importância, e de cunho muito mais pragmático para que a Alemanha se recuse a aceitar o BCE como emprestador de ultima instância: o fato de que, nas regras atuais, a Alemanha mantêm seu crescimento a custa da crise nos outros países da zona do euro.
 Para compreender isto, precisamos entender que um país, para que sua economia tenha um bom desempenho, precisa produzir e vender sua produção a um preço que permita aos empresários realizar uma taxa aceitável de lucro. Caso isso não ocorra, os empresários param de investir no país, e sua economia afunda cada vez mais. Para que seja possível vender a produção a este preço, o país precisa ser competitivo: se os produtos de fora do país forem mais baratos que aqueles produzidos internamente, o país não conseguirá exportar sua produção e também seu mercado interno será abastecido por produtos importados, uma vez que para o consumidor o que mais importa é o menor preço, e não a origem daquilo que consome. Mas o que determina a competitividade?
 A competitividade depende de muitos fatores, mas podemos dividi-los em dois grupos: política comercial e competitividade estrutural. A política comercial tem como seus principais componentes as tarifas, impostos sobre produtos importados que os tornam mais caros que os similares nacionais (como o aumento do IPI realizado pelo governo recentemente) e a taxa de câmbio, o preço da moeda estrangeira em termos da moeda nacional. Quanto mais cara for a moeda estrangeira em termos de moeda nacional, mais caros serão os produtos importados (basta comparar a situação atual com 2002-3). A competitividade estrutural, por sua vez, se refere aos custos de produção: quanto menores, mais competitivo o país será. Notem que a competitividade estrutural é composta de fatores "benéficos", como maior produtividade relacionada a tecnologias mais avançadas e melhor infraestrutura, e por fatores "maléficos" (pelo menos do ponto de vista da população), como menores salários e menos beneficios para a população carente.
 Quando um país entra na União Européia, ele abre mão de sua política comercial, uma vez que fica proibido de impor tarifas sobre produtos importados de outros países da UE e perdem a capacidade de influenciar a taxa de câmbio, uma vez que adotam a moeda comum, o euro, uma das mais valorizadas do mundo (cotada neste exato momento, em R$ 2,39). Assim, para estes países competirem, eles dependem unicamente da competitividade estrutural. E a Alemanha é o país com uma das maiores competitividades estruturais da Europa, não apenas devido a sua maior produtividade,como também pela política salarial adotada na última década.
 Concluindo: a Alemanha, enquanto a zona do euro se manter da forma como vem sendo mantida, se beneficia da "exportação" da crise para os países mais fracos da Europa. É do interesse deles manter a situação atual, que penaliza apenas os países mais fracos, mesmo a custa de arriscar a própria existência da UE.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Referendo Grego e as Expectativas Racionais

Não pude deixar de notar uma grande contradição que não vi ninguém levantar na situação grega: o mercado financeiro reagiu extremamente mal ao anúncio do referendo popular para aprovação da ajuda da União Européia a Grécia. A reação foi tão forte que o primeiro-ministro Papandreau foi obrigado a voltar atrás, e ainda acabou sendo forçado a renunciar. Até aí, nenhuma novidade. Mas não podemos nos esquecer que a teoria ortodoxa da economia, utilizada largamente pelos economistas do mercado financeiro para legitimar suas ações, têm como um de seus fundamentos a hipótese das expectativas racionais. E o que são as tais expectativas racionais?
  A hipótese das expectativas racionais postula que, na média, as pessoas sempre acertam suas previsões quanto ao comportamento da economia, desde que possuam as informações adequadas. Não quer dizer que as pessoas sejam infalíveis: a hipótese se utiliza do distribuição normal das probabilidades, derivada do teorema central do limite, que postula que o comportamento das pessoas irá convergir para uma média, ou seja, que apesar de as pessoas errarem, os erros irão se compensar entre si e na média, as pessoas acertarão suas previsões. A hipótese das expectativas racionais é fundamental para a defesa da credibilidade como principal qualidade necessária para uma política econômica eficiente, pois uma política baseada em regras bem definidas e de fácil entendimento farão com que as pessoas sempre tenham as informações adequadas, tornando o comportamento da economia o melhor possível. E esta defesa da credibilidade é o que tem levado o Banco Central Europeu a exigir as políticas de austeridade que vem devastando a Grécia, como tratei neste post.
 Não sou especialista na área, mas me salta aos olhos a hipocrisia: se as suas recomendações de política são baseadas em uma hipótese de que o povo, servido das informações adequadas, sempre tomará a melhor decisão possível, porque reagir tão mal à possibilidade de um referendo? Será o mercado financeiro munido de informações melhores do que o restante da população? Se for assim, onde está a tão falada transparência? Ou talvez o que é melhor para a Grécia não seja necessáriamente o melhor para o mercado financeiro...