domingo, 4 de dezembro de 2011

Um Belo Monte de Picuinhas e Ninguém Falando do Verdadeiro Problema

Com toda a polêmica gerada pelo vídeo da gota d'água, contra a usina hidrelétrica de Belo Monte, e dos vídeos feitos em resposta, vi muita gente discutindo detalhes, mas poucos sequer tangenciando o verdadeiro problema. E este é: a energia produzida por Belo Monte será usada para produzir o quê? Para quem?

Primeiro, gostaria de deixar claro que, ao contrário do que se afirma por aí, nenhuma forma de geração de energia tem impacto zero sobre o meio-ambiente. Não, nem a eólica, nem a solar. Para ficar no exemplo da eólica, ela pode provocar mortalidade de passáros, de morcegos, distúrbios climáticos locais e poluição sonora. Isso não significa que a energia eólica seja ruim, ou pior do que outras fontes: significa apenas que não é perfeita, como nenhuma fonte de energia é. Além disso, existe uma relação entre custo e impacto: quanto menor o impacto sobre o meio-ambiente, maior tende a ser o custo por megawatt de uma determinada fonte de energia, embora esta tendência não seja uma lei.

Segundo, para entender a questão de Belo Monte, é preciso ressaltar que a transmissão de energia, devido as propriedades físicas dos materiais utilizados como condutores, possui sérias limitações quanto a distância entre o centro produtor e o centro consumidor, sendo a distância média máxima para transmissão de 483 Km. Considerando esta distância, a figura abaixo mostra quatro eixos indicando o alcance da energia produzida em Belo Monte:


Como podemos ver, a usina de Belo monte irá prover energia basicamente para o Pará e para o Amapá. Considerando uma margem de erro para cima, poderíamos incluir parte do Maranhão e do Tocantins. Aqui já caí um mito sobre Belo Monte: não será por causa desta usina que se evitará um futuro apagão, pois os grandes consumidores de energia são os estados do sul e sudeste. Os quatro estados que podem ser abastecidos por Belo Monte têm uma população total de 16,2 milhões de habitantes, cerca de 8,5% da população do Brasil, sendo que o valor bruto de sua produção industrial é de 29,3 bilhões de reais e o valor adicionado de sua produção industrial (descontando o custo das matérias primas) é de 14,3 bilhões de reais, equivalendo a 2,05% e 2,27% do total do Brasil, respectivamente (dados de 2009). A usina de Belo Monte produzirá 39,5 terawatts de energia ao ano, equivalente a 10% do consumo brasileiro.

Aqui já fica visível uma contradição: 10% da energia para pouco mais de 2% da produção industrial? É claro que não há capacidade da região abastecida por Belo Monte consumir mais do que 25% da energia gerada por ela, isso ainda sem considerarmos a produção das outras usinas existentes na região. Para onde então irá o resto da energia?

A resposta é simples, mas não tem sido abordada pela maior parte dos que se propõe a discutir a questão. A energia será utilizada para produção de bens primários eletrointensivos, como o alumínio, para o qual se destinará 30% da energia gerada por Belo Monte. A produção de bens primários não gera muitos empregos, não agrega muito valor e é de considerada de nível médio-baixo em termos de tecnologia. Aqui finalmente chegamos ao problema central, que vêm sendo evitado em favor da discussão extensiva dos detalhes menores, como o tamanho do reservatório ou as fontes de financiamento da construção da usina.

O Brasil foi, desde seu descobrimento até a 1930, um produtor de bens primários. Para saber o quanto isto foi ruim para nós, basta comparar a situação do Brasil em 1930 com a situação dos EUA na mesma época, um país que, apesar de como nós, ter sido uma colônia, iniciou sua industrialização já no início do século XIX. A duras penas, o Brasil consegui se industrializar entre 1930 e 1980, e apesar de ter registrado nessa época um crescimento econômico da ordem de 7% ao ano, ainda se mantêm muito atrás dos países desenvolvidos devido a esta industrialização tardia. Porém, nos últimos 30 anos, o Brasil vêm retrocedendo, cada vez mais voltando a ser um país cuja economia se baseia na exportação de bens primários, como soja, alcool, ferro e alumínio. Os resultados disto são altamente previsíveis: pouca geração de empregos, com consequente pouca geração de renda e fraca expansão do mercado interno, e grande vulnerabilidade externa, uma vez que a renda gerada pela exportação destes bens depende do desempenho das economias dinâmicas, como a China e os EUA.

Assim, o grande problema de Belo Monte não é a usina em si, e sim o uso que se fará dela: dessa forma, estaremos destruindo uma porção considerável da Amazônia, causando danos irreparáveis aos indígenas da região, a troco de produzir matérias primas baratas para que a China se desenvolva. É preciso que mudemos nosso modelo de desenvolvimento para um cuja dinâmica seja dominada por nós, e não por outros países, que poderiam impor suas condições sobre nós. Para isto, é vital que se abandone a idéia de que a estabilidade monetária, ou seja, o combate a inflação, seja o principal objetivo de nossa economia, para que este se torne o próprio desenvolvimento do país. Este questão, porém, está além do que me propus a tratar neste post.

Concluindo, não há como desenvolver a economia sem causar impactos sobre o meio-ambiente. O que devemos fazer é escolher quais impactos iremos causar, com base tanto na extensão destes quanto nos benefícios que eles nos trarão. Por isso sou contra Belo Monte: não devemos sacrificar tanto apenas para produzirmos bens que servirão apenas a alguns poucos brasileiros e a muitos chineses.

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