domingo, 4 de dezembro de 2011

Um Belo Monte de Picuinhas e Ninguém Falando do Verdadeiro Problema

Com toda a polêmica gerada pelo vídeo da gota d'água, contra a usina hidrelétrica de Belo Monte, e dos vídeos feitos em resposta, vi muita gente discutindo detalhes, mas poucos sequer tangenciando o verdadeiro problema. E este é: a energia produzida por Belo Monte será usada para produzir o quê? Para quem?

Primeiro, gostaria de deixar claro que, ao contrário do que se afirma por aí, nenhuma forma de geração de energia tem impacto zero sobre o meio-ambiente. Não, nem a eólica, nem a solar. Para ficar no exemplo da eólica, ela pode provocar mortalidade de passáros, de morcegos, distúrbios climáticos locais e poluição sonora. Isso não significa que a energia eólica seja ruim, ou pior do que outras fontes: significa apenas que não é perfeita, como nenhuma fonte de energia é. Além disso, existe uma relação entre custo e impacto: quanto menor o impacto sobre o meio-ambiente, maior tende a ser o custo por megawatt de uma determinada fonte de energia, embora esta tendência não seja uma lei.

Segundo, para entender a questão de Belo Monte, é preciso ressaltar que a transmissão de energia, devido as propriedades físicas dos materiais utilizados como condutores, possui sérias limitações quanto a distância entre o centro produtor e o centro consumidor, sendo a distância média máxima para transmissão de 483 Km. Considerando esta distância, a figura abaixo mostra quatro eixos indicando o alcance da energia produzida em Belo Monte:


Como podemos ver, a usina de Belo monte irá prover energia basicamente para o Pará e para o Amapá. Considerando uma margem de erro para cima, poderíamos incluir parte do Maranhão e do Tocantins. Aqui já caí um mito sobre Belo Monte: não será por causa desta usina que se evitará um futuro apagão, pois os grandes consumidores de energia são os estados do sul e sudeste. Os quatro estados que podem ser abastecidos por Belo Monte têm uma população total de 16,2 milhões de habitantes, cerca de 8,5% da população do Brasil, sendo que o valor bruto de sua produção industrial é de 29,3 bilhões de reais e o valor adicionado de sua produção industrial (descontando o custo das matérias primas) é de 14,3 bilhões de reais, equivalendo a 2,05% e 2,27% do total do Brasil, respectivamente (dados de 2009). A usina de Belo Monte produzirá 39,5 terawatts de energia ao ano, equivalente a 10% do consumo brasileiro.

Aqui já fica visível uma contradição: 10% da energia para pouco mais de 2% da produção industrial? É claro que não há capacidade da região abastecida por Belo Monte consumir mais do que 25% da energia gerada por ela, isso ainda sem considerarmos a produção das outras usinas existentes na região. Para onde então irá o resto da energia?

A resposta é simples, mas não tem sido abordada pela maior parte dos que se propõe a discutir a questão. A energia será utilizada para produção de bens primários eletrointensivos, como o alumínio, para o qual se destinará 30% da energia gerada por Belo Monte. A produção de bens primários não gera muitos empregos, não agrega muito valor e é de considerada de nível médio-baixo em termos de tecnologia. Aqui finalmente chegamos ao problema central, que vêm sendo evitado em favor da discussão extensiva dos detalhes menores, como o tamanho do reservatório ou as fontes de financiamento da construção da usina.

O Brasil foi, desde seu descobrimento até a 1930, um produtor de bens primários. Para saber o quanto isto foi ruim para nós, basta comparar a situação do Brasil em 1930 com a situação dos EUA na mesma época, um país que, apesar de como nós, ter sido uma colônia, iniciou sua industrialização já no início do século XIX. A duras penas, o Brasil consegui se industrializar entre 1930 e 1980, e apesar de ter registrado nessa época um crescimento econômico da ordem de 7% ao ano, ainda se mantêm muito atrás dos países desenvolvidos devido a esta industrialização tardia. Porém, nos últimos 30 anos, o Brasil vêm retrocedendo, cada vez mais voltando a ser um país cuja economia se baseia na exportação de bens primários, como soja, alcool, ferro e alumínio. Os resultados disto são altamente previsíveis: pouca geração de empregos, com consequente pouca geração de renda e fraca expansão do mercado interno, e grande vulnerabilidade externa, uma vez que a renda gerada pela exportação destes bens depende do desempenho das economias dinâmicas, como a China e os EUA.

Assim, o grande problema de Belo Monte não é a usina em si, e sim o uso que se fará dela: dessa forma, estaremos destruindo uma porção considerável da Amazônia, causando danos irreparáveis aos indígenas da região, a troco de produzir matérias primas baratas para que a China se desenvolva. É preciso que mudemos nosso modelo de desenvolvimento para um cuja dinâmica seja dominada por nós, e não por outros países, que poderiam impor suas condições sobre nós. Para isto, é vital que se abandone a idéia de que a estabilidade monetária, ou seja, o combate a inflação, seja o principal objetivo de nossa economia, para que este se torne o próprio desenvolvimento do país. Este questão, porém, está além do que me propus a tratar neste post.

Concluindo, não há como desenvolver a economia sem causar impactos sobre o meio-ambiente. O que devemos fazer é escolher quais impactos iremos causar, com base tanto na extensão destes quanto nos benefícios que eles nos trarão. Por isso sou contra Belo Monte: não devemos sacrificar tanto apenas para produzirmos bens que servirão apenas a alguns poucos brasileiros e a muitos chineses.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Porque apenas "fazer sua parte" não é o suficiente: Parte 1

 Neste post, volto ao meu tema principal: sustentabilidade ecológica. Hoje em dia, apesar de existir uma considerável consciência ambiental (como pudemos ver pela repercussão do movimento Gota D'Agua), ainda é predominante a idéia de que para resolver os problemas do meio-ambiente, basta "fazer sua parte", algo entendido como: demorar menos no chuveiro, andar menos de carro, consumir produtos cuja produção minimize os impactos sobre o meio-ambiente, e etc.

 Esta idéia é fortemente equivocada: o comportamento individual não gera impactos significativos sobre o meio-ambiente.  O problema central está no chamado individualismo metodológico, que basicamente é a idéia (muito difundida) de que o comportamento da sociedade é apenas a soma do comportamento dos indivíduos que a compõe. Isto não é verdade: a sociedade como um todo possui sua dinâmica própria, que não depende apenas daquilo que o individuo isolado pensa, até por este ser um problema fundamental: os indivíduos não agem de forma isolada, não sendo o comportamento de um totalmente independente do outro. Um exemplo prático disso é o chamado efeito manada, que pode ser claramente visto em momentos de crise financeira, como 2008. O individualismo metodológico é um tema grande demais para ser tratado aqui, mas espero que esta introdução seja suficiente para ao menos despertar curiosidade.

 Este artigo do New York Times, dá um panorama geral da ineficiência da resposta individual para preservar o meio-ambiente, e me inspirou a escrever este post. Pretendo escrever uma série de posts mostrando diversas exemplos do problema, para que fique mais claro, sendo que neste vou me concentrar na questão da água.
 A maioria das pessoas deve conhecer a campanha do Xixi no Banho:

Apesar de "bonitinha", existe um grande problema quanto a este tipo de campanha: não toca em aspectos fundamentais, como a proporção de água gasta no consumo residencial. No Brasil, o gasto urbano de água corresponde a apenas 11% do total de água utilizada, enquanto o uso residencial rural corresponde a apenas 2%. Mesmo que fosse possível uma reduzir pela metade o consumo de água nas residências e comércios, ainda assim o consumo seria reduzido em apenas 6,5% do total.  Quanto ao comércio, vale lembrar que uma redução muito alta do consumo de água implica maiores custos: basta pensar em um lava-jato, que precisaria contratar mais trabalhadores para realizar o mesmo serviço devido a impossibilidade de se usar água em abundância. Apesar de este ser um exemplo extremo, dificuldades poderiam aparecer em vários outros ramos.

 Por isso, antes de exigir que cada um "faça sua parte", é preciso pensar se uma ação coletiva não seria mais racional. Para isto, basta analisar verificar que 80% da água consumida no Brasil é gasta na produção agropecuária (especificamente, 69% na agricultura e 11% na pecuária). No Brasil, é largamente utilizado o sistema de irrigação por aspersão na agricultura. Enquanto este sistema têm uma eficiência de 70 a 85% (em termos de quanto da água utilizada efetivamente é utilizada pela planta), o sistema de irrigação por gotejamento tem uma eficiência de 90 a 95%. Mesmo considerando que não pudesse ser utilizado em todas as culturas e lugares, se pensarmos que pudesse ser usado em metade delas, isto já nos daria uma economia de aproximadamente 5,6% no consumo de água. Para obter o mesmo efeito com economia nos usos urbanos e residenciais rurais, seria necessário uma economia de 43% no consumo total, o que exigiria sacrifícios certamente maiores. Este cálculo foi feito muito por cima, mas o objetivo dele não é esgotar o assunto, e sim dar uma dimensão do problema.

  E ainda há um componente elitista na questão: se faz uma campanha a favor do xixi no banho, mas de que adianta fazer isto se você tem uma piscina no quintal? E apesar de não ter dados para isto, aposto que a maioria esmagadora das piscinas residenciais não são utilizadas nem três vezes por semana.

 Portanto, antes de apregoar que cada um deva "fazer sua parte primeiro e reclamar depois", é preciso ter em mente de que medidas como a imposição por lei de métodos mais eficientes do uso da água na agricultura, na indústria e de mais rigor na liberação de construções de piscinas residenciais dão muito mais resultado. O ponto central é de que, apesar de atitudes individuais serem importantes, sem ações coletivas elas não levarão a lugar algum.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Crise, o Maior Produto Alemão de Exportação

  De todos os lados vêm críticas e pressões para que a Alemanha aceite que o Banco Central Europeu passe a ter a mesma função que tem na maioria dos outros países do mundo (Brasil e EUA incluídos), o de emprestador de ultima instância. Analistas defendem que isso resolveria a crise, pelo menos por enquanto. Ser emprestador de ultima instância significa que, tendo o poder de imprimir moeda, o BCE poderia comprar os títulos dos países em dificuldades, o que faria com que o preço destes títulos subissem e consequentemente, que as taxas de juros necessárias para que estes países se financiem caíssem, o que recuperaria a solvência de países como a Itália e Portugal (a situação da Grécia já é muito difícil para que esta solução funcione lá) e evitaria o colapso do euro. Porque então a Alemanha continua a se opor?
O argumento oficial é de que se o BCE passasse a ser emprestador de ultima instância, perderia sua independência e estaria sujeito aos caprichos dos países membros, que se sentiriam a vontade para gastar mais do que podem tendo a certeza de que teriam recursos, o que arrasaria a credibilidade das políticas econômicas e as tornaria ineficientes a longo prazo. Ou seja, se baseia no dogma ortodoxo da credibilidade como o fator mais importante para a economia (cujos efeitos nefastos eu tratei aqui e aqui).

 Apesar de fazer sentido dentro da teoria econômica ortodoxa, eu acredito que exista outro fator, de igual ou maior importância, e de cunho muito mais pragmático para que a Alemanha se recuse a aceitar o BCE como emprestador de ultima instância: o fato de que, nas regras atuais, a Alemanha mantêm seu crescimento a custa da crise nos outros países da zona do euro.
 Para compreender isto, precisamos entender que um país, para que sua economia tenha um bom desempenho, precisa produzir e vender sua produção a um preço que permita aos empresários realizar uma taxa aceitável de lucro. Caso isso não ocorra, os empresários param de investir no país, e sua economia afunda cada vez mais. Para que seja possível vender a produção a este preço, o país precisa ser competitivo: se os produtos de fora do país forem mais baratos que aqueles produzidos internamente, o país não conseguirá exportar sua produção e também seu mercado interno será abastecido por produtos importados, uma vez que para o consumidor o que mais importa é o menor preço, e não a origem daquilo que consome. Mas o que determina a competitividade?
 A competitividade depende de muitos fatores, mas podemos dividi-los em dois grupos: política comercial e competitividade estrutural. A política comercial tem como seus principais componentes as tarifas, impostos sobre produtos importados que os tornam mais caros que os similares nacionais (como o aumento do IPI realizado pelo governo recentemente) e a taxa de câmbio, o preço da moeda estrangeira em termos da moeda nacional. Quanto mais cara for a moeda estrangeira em termos de moeda nacional, mais caros serão os produtos importados (basta comparar a situação atual com 2002-3). A competitividade estrutural, por sua vez, se refere aos custos de produção: quanto menores, mais competitivo o país será. Notem que a competitividade estrutural é composta de fatores "benéficos", como maior produtividade relacionada a tecnologias mais avançadas e melhor infraestrutura, e por fatores "maléficos" (pelo menos do ponto de vista da população), como menores salários e menos beneficios para a população carente.
 Quando um país entra na União Européia, ele abre mão de sua política comercial, uma vez que fica proibido de impor tarifas sobre produtos importados de outros países da UE e perdem a capacidade de influenciar a taxa de câmbio, uma vez que adotam a moeda comum, o euro, uma das mais valorizadas do mundo (cotada neste exato momento, em R$ 2,39). Assim, para estes países competirem, eles dependem unicamente da competitividade estrutural. E a Alemanha é o país com uma das maiores competitividades estruturais da Europa, não apenas devido a sua maior produtividade,como também pela política salarial adotada na última década.
 Concluindo: a Alemanha, enquanto a zona do euro se manter da forma como vem sendo mantida, se beneficia da "exportação" da crise para os países mais fracos da Europa. É do interesse deles manter a situação atual, que penaliza apenas os países mais fracos, mesmo a custa de arriscar a própria existência da UE.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

O Referendo Grego e as Expectativas Racionais

Não pude deixar de notar uma grande contradição que não vi ninguém levantar na situação grega: o mercado financeiro reagiu extremamente mal ao anúncio do referendo popular para aprovação da ajuda da União Européia a Grécia. A reação foi tão forte que o primeiro-ministro Papandreau foi obrigado a voltar atrás, e ainda acabou sendo forçado a renunciar. Até aí, nenhuma novidade. Mas não podemos nos esquecer que a teoria ortodoxa da economia, utilizada largamente pelos economistas do mercado financeiro para legitimar suas ações, têm como um de seus fundamentos a hipótese das expectativas racionais. E o que são as tais expectativas racionais?
  A hipótese das expectativas racionais postula que, na média, as pessoas sempre acertam suas previsões quanto ao comportamento da economia, desde que possuam as informações adequadas. Não quer dizer que as pessoas sejam infalíveis: a hipótese se utiliza do distribuição normal das probabilidades, derivada do teorema central do limite, que postula que o comportamento das pessoas irá convergir para uma média, ou seja, que apesar de as pessoas errarem, os erros irão se compensar entre si e na média, as pessoas acertarão suas previsões. A hipótese das expectativas racionais é fundamental para a defesa da credibilidade como principal qualidade necessária para uma política econômica eficiente, pois uma política baseada em regras bem definidas e de fácil entendimento farão com que as pessoas sempre tenham as informações adequadas, tornando o comportamento da economia o melhor possível. E esta defesa da credibilidade é o que tem levado o Banco Central Europeu a exigir as políticas de austeridade que vem devastando a Grécia, como tratei neste post.
 Não sou especialista na área, mas me salta aos olhos a hipocrisia: se as suas recomendações de política são baseadas em uma hipótese de que o povo, servido das informações adequadas, sempre tomará a melhor decisão possível, porque reagir tão mal à possibilidade de um referendo? Será o mercado financeiro munido de informações melhores do que o restante da população? Se for assim, onde está a tão falada transparência? Ou talvez o que é melhor para a Grécia não seja necessáriamente o melhor para o mercado financeiro...

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Nobel de Economia: EU JÁ SABIA!!!

O Nobel de Economia tradicionalmente vai para economistas da linha ortodoxa. Isto estamos carecas de saber. É interessante porém relacionar a história dos ultimos nobels com o que vêm acontecendo no mundo em termos econômicos.


Entre 2003 a 2007, época de crescimento econômico acentuado, todos os prêmios foram para pesquisadores essencialmente neoclássicos, ou seja, pessoas que desenvolvem pesquisas defendendo a primazia do mercado sobre a ação do Estado (a lista inteira pode ser vista aqui). Dois prêmios (2004 e 2006) para economistas adeptos da teoria Novo Clássica, que prega a inexistência da macroeconomia como área independente, acreditando que tudo pode ser entendido pelos microfundamentos, ou seja, por uma idealização do comportamento individual em que todos tentariam maximizar seu bem-estar sem pensar em nenhuma consequência que ele teria sobre os outros e que, possuindo as informações corretas, as pessoas na média sempre acertariam em suas decisões egoístas. Esta teoria prega a total ineficiência da ação do Estado em melhorar a situação de sua população. Para eles, a única coisa que o Estado pode fazer para ajudar é não atrapalhar (isto é, cobrar o mínimo de impostos e atuar no mínimo de áreas possíveis). O resultado da aplicação irresponsável destas teorias pelas autoridades nos levou a crise de 2008.

Em 2008, ano de crise em que se dizia que "agora somos todos keynesianos" e que Obama se elegia com a promessa de aumentar a regulação do mercado financeiro, o premiado foi Paul Krugman. Apesar de estar longe de ser um heterodoxo em termos de teoria econômica (até porque se fosse, jamais ganharia o Nobel), estando alinhado com a chamada teoria Novo Keynesiana, Krugman tem uma visão menos "mercadista", entendendo que o mercado têm muitas falhas, sendo necessária a ação do Estado para regula-lo. Em 2009, o discurso intervencionista começava a enfraquecer, mais ainda existia esperança de que ele fosse aplicado, inclusive com a investigação do Congresso americano sobre a responsabilidade dos agentes do mercado financeiro na crise (e que acabou dando em nada). Neste ano, o prêmio foi dado Williamson e Ostrom, que apesar de não terem o mesmo viés crítico de Krugman, tampouco podem ser incluídos entre os Novos Clássicos.

Porém, como pudemos acompanhar nos ultimos anos, o discurso Keynesiano foi abortado, o foco voltou-se novamente para os alvos tradicionais da teoria Novo Clássica, ou seja, a recuperação da credibilidade nas economias em crise através de medidas de austeridade fiscal que teoricamente mostrariam que o governo está agindo corretamente para reduzir suas dívidas e atraíria investimentos que tirariam o país da crise. Os resultados podem ser vistos na situação da Grécia, como já discuti neste post. Podemos ver o resultado da falência do discurso intervencionista e a retomada das políticas ultra-liberais também no prêmio Nobel, com a vitória de Sargent esse ano, teórico eminente da vertente Novo Clássica. Para aqueles que em 2008 declararam a morte do neoliberalismo, um banho de agua fria.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Pra Relaxar

Fim de semana chegando, vou viajar amanhã e não tenho tempo para um post sério. Ficam aqui algumas dicas para as horas de folga.

Filme: O Nevoeiro






Baseado em um livro de Stephen King, este é um thriller que realmente prende o espectador. A história começa com um pai indo com seu filho comprar alguns materiais para arrumar sua casa depois de uma tempestade no dia anterior. No entanto, quando estão na loja ficam sabendo que algo deu errado na base do exército que fica nas montanhas vizinhas. Um nevoeiro os deixa com visibilidade nenhuma, ilhados no supermercado. A tensão vai aumentando com o isolamento, levando as pessoas inicialmente sensatas a tomarem atitudes cada vez mais desesperadas. O filme também têm um dos melhores finais que já vi, recomendadíssimo.

Livro: Café da Manhã dos Campeões





De Kurt Vonnegut. Esse foi o primeiro livro dele que li, e foi amor a primeira vista. O livro é cheio de personagens malucos e um narrador mais ainda.  Loucura é o tema central da história. É bem curto, e vale muito a pena.

Som: Criolo - Nó na orelha


Acredito que a maioria das pessoas que me conhecem já ouviram, mas pra quem ainda não ouviu, album imperdível. Pra quem quiser saber mais, uma entrevista com ele aqui.

É isso. Semana que vem volto com um post sobre a insuficiência dos esforços individuais para preservar o meio-ambiente.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Questão Grega

 Assisti essa semana ao documentário Debtocracy, que fala da crise grega após 2008. O documentário é muito bom, embora não tanto quanto Inside Job. O documentário se concentra em mostrar a crise do ponto de vista  do cidadão comum grego, um dos que mais sofrem com a crise financeira, sem se alongar na explicação da crise em si. Nesse texto vou pela mesma linha, pois acho que a crise já foi explicada de todos os jeitos possíveis.




A crise de 2008 afetou todo o mundo, mas alguns países estão sofrendo muito mais que outros. Mas porque essa diferença? O caso da Grécia é exemplar. A Grécia é um país periférico na Europa, com uma economia pouco importante (cerca de 2,5% do PIB da União Européia). Seu baixo grau de desenvolvimento (em relação aos outros países da UE) reflete a baixa produtividade de sua economia. Antes de sua entrada na UE, isto não era problema: a baixa produtividade de sua economia era compensada por uma moeda desvalorizada frente às moedas dos outros países desenvolvidos, que fazia com que suas exportações fossem competitivas, por uma questão básica em economia: quanto menos vale a moeda em termos das moedas estrangeiras (como o Real de 2002 a 2004), mais baixos os preços para quem usa a moeda estrangeira para comprar. Da mesma forma, encarecia as importações, fazendo com que mais bens fossem produzidos internamente, gerando emprego e renda.

Com a entrada na UE e a adoção do Euro como moeda, a Grécia perdeu a capacidade de determinar o valor de sua moeda. O Euro, desde sua implementação, teve seu valor baseado nas moedas mais fortes, como o antigo marco alemão. Por isso, seu valor nunca ficou abaixo do dólar. Para os gregos, isso significava que suas exportações ficaram seriamente prejudicadas, quando não totalmente impossibilitadas. Enquanto isso, as importações aumentavam, não só as provenientes da Europa como de todo o mundo, causando o efeito inverso do descrito acima.

Entrar para UE, no entanto, não trazia apenas desvantagens. Por ser parte de uma união tida como fortíssima na época, a Grécia passou a ter acesso a financiamentos a custos baixos, que eram impossíveis quando não faziam parte da UE. Com dinheiro barato, o governo grego pode executar gastos que aqueceram a economia e evitaram os efeitos maléficos da moeda valorizada. O maior exemplo desta política foram as Olímpiadas de 2006 em Atenas.

Com a crise, secou a fonte de recursos que alimentara a economia grega. Começa então a agonia dos gregos. Recursos para impedir a falência do sistema financeiro grego só poderiam vir dos outros países da UE, e eles então exigem em contrapartida as chamadas medidas de austeridade fiscal.

As medidas de austeridade fiscal se traduzem em medidas de cortes da gastos do governo e aumento dos impostos, com o objetivo de gerar um superávit nas contas do governo para que este pudesse pagar a dívida que contraíra nos anos anteriores. Sem os gastos do governo que mantinham a economia aquecida e tendo de arcar com mais impostos, a sociedade como um todo se empobreceu. Com a população sem dinheiro para consumir, as empresas ficaram em dificuldade, tendo de demitir funcionários para continuar abertas. Com mais desempregados, há menos pessoas aptas a consumir, piorando a situação, no famoso círculo vicioso.

As medidas de austeridade impostas pelos países centrais de Europa (principalmente a Alemanha) causaram uma queda acumulada da renda da Grécia nos anos de 2009 e 2010 da ordem de 6,6%, de acordo com dados do Banco Mundial. E como podemos acompanhar, a crise lá está longe de acabar. Se torna inevitável nos perguntarmos: o que deu errado?

A resposta para esta questão está na crença inabalável dos formuladores de política da Europa em um modelo que se mostrou terrivelmente falho. Para eles, a credibilidade do país é o fator mais importante para sua recuperação, pois as pessoas são totalmente capazes de prever as consequências das decisões tomadas hoje. Assim, se o governo cortar gastos hoje, haverá recursos no futuro, o que levaria as pessoas a voltarem a consumir e investir na Grécia, fazendo com que a economia se recupere e que os gregos tenham então condições de pagar sua dívida. Ao contrário, se o governo continuar gastando, os agentes irão prever que a situação ficará ainda pior no futuro, e tirarão seu dinheiro dali o mais rápido possível.

O erro fundamental dos formuladores de política da UE está no fato de que as pessoas não são totalmente capazes de prever o futuro (o que é conhecido em economia como expectativas racionais). As pessoas tomam suas decisões em um ambiente de incerteza, em que normalmente esperam que a situação do passado se reproduza no futuro, a menos quem tenham algum forte motivo para crer em mudanças. Nas épocas de crises, há uma ruptura com o passado imediato e não há nada que leve as pessoas a acreditar que este irá se repetir. Com medo de um futuro pior do que o presente, as pessoas que possuem recursos para consumir ou investir preferem guardá-los, para que não sejam pegos desprevenidos. Com menos pessoas consumindo e investindo, caímos nos mesmos problemas descritos acima. É o que acontece na Grécia hoje.

Em um período de crise, o governo precisa gastar, pois seus cidadãos estão pessimistas demais. O gasto do governo aquece a economia, pois exige que mais pessoas trabalhem para atender a demanda do governo. Com mais empregos, há mais renda, mais consumo e o círculo se reverte.

Os tomadores das grandes decisões na UE, porém, têm demonstrado uma fé inabalável em suas teorias, não tentando nada diferente mesmo após 3 anos de fracasso e de um calote que fica cada vez mais provável. Os gregos poderiam ter tentado resolver sua crise por si só, abandonando o Euro, voltando a adotar o Dracma desvalorizado e declarando moratória de sua dívida, como fez a Islândia, mas na minha opinião agora já é tarde demais. Resta saber se as autoridades dos países centrais da Europa irão se reconciliar com a realidade ou se insistirão em medidas que estão fadadas ao fracasso. Medidas estas que além de não realizarem aquilo que deveriam, que é garantir o pagamento da dívida, ainda têm como efeito colateral um sofrimento tão grande para os gregos que podem os levar a fazer coisas como estas: