quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A Questão Grega

 Assisti essa semana ao documentário Debtocracy, que fala da crise grega após 2008. O documentário é muito bom, embora não tanto quanto Inside Job. O documentário se concentra em mostrar a crise do ponto de vista  do cidadão comum grego, um dos que mais sofrem com a crise financeira, sem se alongar na explicação da crise em si. Nesse texto vou pela mesma linha, pois acho que a crise já foi explicada de todos os jeitos possíveis.




A crise de 2008 afetou todo o mundo, mas alguns países estão sofrendo muito mais que outros. Mas porque essa diferença? O caso da Grécia é exemplar. A Grécia é um país periférico na Europa, com uma economia pouco importante (cerca de 2,5% do PIB da União Européia). Seu baixo grau de desenvolvimento (em relação aos outros países da UE) reflete a baixa produtividade de sua economia. Antes de sua entrada na UE, isto não era problema: a baixa produtividade de sua economia era compensada por uma moeda desvalorizada frente às moedas dos outros países desenvolvidos, que fazia com que suas exportações fossem competitivas, por uma questão básica em economia: quanto menos vale a moeda em termos das moedas estrangeiras (como o Real de 2002 a 2004), mais baixos os preços para quem usa a moeda estrangeira para comprar. Da mesma forma, encarecia as importações, fazendo com que mais bens fossem produzidos internamente, gerando emprego e renda.

Com a entrada na UE e a adoção do Euro como moeda, a Grécia perdeu a capacidade de determinar o valor de sua moeda. O Euro, desde sua implementação, teve seu valor baseado nas moedas mais fortes, como o antigo marco alemão. Por isso, seu valor nunca ficou abaixo do dólar. Para os gregos, isso significava que suas exportações ficaram seriamente prejudicadas, quando não totalmente impossibilitadas. Enquanto isso, as importações aumentavam, não só as provenientes da Europa como de todo o mundo, causando o efeito inverso do descrito acima.

Entrar para UE, no entanto, não trazia apenas desvantagens. Por ser parte de uma união tida como fortíssima na época, a Grécia passou a ter acesso a financiamentos a custos baixos, que eram impossíveis quando não faziam parte da UE. Com dinheiro barato, o governo grego pode executar gastos que aqueceram a economia e evitaram os efeitos maléficos da moeda valorizada. O maior exemplo desta política foram as Olímpiadas de 2006 em Atenas.

Com a crise, secou a fonte de recursos que alimentara a economia grega. Começa então a agonia dos gregos. Recursos para impedir a falência do sistema financeiro grego só poderiam vir dos outros países da UE, e eles então exigem em contrapartida as chamadas medidas de austeridade fiscal.

As medidas de austeridade fiscal se traduzem em medidas de cortes da gastos do governo e aumento dos impostos, com o objetivo de gerar um superávit nas contas do governo para que este pudesse pagar a dívida que contraíra nos anos anteriores. Sem os gastos do governo que mantinham a economia aquecida e tendo de arcar com mais impostos, a sociedade como um todo se empobreceu. Com a população sem dinheiro para consumir, as empresas ficaram em dificuldade, tendo de demitir funcionários para continuar abertas. Com mais desempregados, há menos pessoas aptas a consumir, piorando a situação, no famoso círculo vicioso.

As medidas de austeridade impostas pelos países centrais de Europa (principalmente a Alemanha) causaram uma queda acumulada da renda da Grécia nos anos de 2009 e 2010 da ordem de 6,6%, de acordo com dados do Banco Mundial. E como podemos acompanhar, a crise lá está longe de acabar. Se torna inevitável nos perguntarmos: o que deu errado?

A resposta para esta questão está na crença inabalável dos formuladores de política da Europa em um modelo que se mostrou terrivelmente falho. Para eles, a credibilidade do país é o fator mais importante para sua recuperação, pois as pessoas são totalmente capazes de prever as consequências das decisões tomadas hoje. Assim, se o governo cortar gastos hoje, haverá recursos no futuro, o que levaria as pessoas a voltarem a consumir e investir na Grécia, fazendo com que a economia se recupere e que os gregos tenham então condições de pagar sua dívida. Ao contrário, se o governo continuar gastando, os agentes irão prever que a situação ficará ainda pior no futuro, e tirarão seu dinheiro dali o mais rápido possível.

O erro fundamental dos formuladores de política da UE está no fato de que as pessoas não são totalmente capazes de prever o futuro (o que é conhecido em economia como expectativas racionais). As pessoas tomam suas decisões em um ambiente de incerteza, em que normalmente esperam que a situação do passado se reproduza no futuro, a menos quem tenham algum forte motivo para crer em mudanças. Nas épocas de crises, há uma ruptura com o passado imediato e não há nada que leve as pessoas a acreditar que este irá se repetir. Com medo de um futuro pior do que o presente, as pessoas que possuem recursos para consumir ou investir preferem guardá-los, para que não sejam pegos desprevenidos. Com menos pessoas consumindo e investindo, caímos nos mesmos problemas descritos acima. É o que acontece na Grécia hoje.

Em um período de crise, o governo precisa gastar, pois seus cidadãos estão pessimistas demais. O gasto do governo aquece a economia, pois exige que mais pessoas trabalhem para atender a demanda do governo. Com mais empregos, há mais renda, mais consumo e o círculo se reverte.

Os tomadores das grandes decisões na UE, porém, têm demonstrado uma fé inabalável em suas teorias, não tentando nada diferente mesmo após 3 anos de fracasso e de um calote que fica cada vez mais provável. Os gregos poderiam ter tentado resolver sua crise por si só, abandonando o Euro, voltando a adotar o Dracma desvalorizado e declarando moratória de sua dívida, como fez a Islândia, mas na minha opinião agora já é tarde demais. Resta saber se as autoridades dos países centrais da Europa irão se reconciliar com a realidade ou se insistirão em medidas que estão fadadas ao fracasso. Medidas estas que além de não realizarem aquilo que deveriam, que é garantir o pagamento da dívida, ainda têm como efeito colateral um sofrimento tão grande para os gregos que podem os levar a fazer coisas como estas:

Nenhum comentário:

Postar um comentário