segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Peak Oil

 Começo o blog com o problema da dependência de petróleo da nossa sociedade. Na semana passada, acompanhando o twitter, vi dois artigos partindo de pontos de vista totalmente contrários. De um lado, um artigo do Post Carbon Institute, retuitado pelo José Gabrielli, presidente da Petrobrás, falando dos prognósticos para a produção e consumo de petróleo no mundo nos próximos anos, a partir de uma abordagem favorável a teoria do "peak oil" (já tentei traduzir várias vezes, mas não cheguei a um resultado satisfatório, se alguém conhece uma boa tradução, me avise). De outro, uma matéria do Wall Street Journal, chamada There Will be Oil em referência ao filme Sangue Negro, contrário a teoria do "peak oil". Mas o que seria o tal do "peak oil"?

Criado pelo geólogo americano M. King Hubbert, nos anos 60/70, a teoria do peak oil afirma que a produção de petróleo (ou de qualquer recurso não-renovável) ao longo do tempo pode ser descrita graficamente como um sino:

 Resumidamente, a teoria diz o seguinte: a extração de petróleo passa por três fases: a primeira (em azul) quando a produção começa, mas ainda não há uma demanda muito forte, exploram-se as primeiras reservas encontradas; na segunda, em verde, a demanda passa a crescer fortemente e a produção acompanha esse crescimento, explorando as melhores reservas; e a terceira e ultima, em amarelo, quando os melhores poços se esgotam e passa-se a produzir em fontes de pior qualidade e/ou maior dificuldade de extração, como por exemplo o pré-sal ou as areias betuminosas canadenses. Na terceira fase, a produção total começa a cair e os custos crescem cada vez mais.

Este é o grande problema de uma economia baseada no petróleo: até que a produção de petróleo atinja o ponto máximo, dificilmente a economia teria algum problema. Mas quando a produção começa a cair, não há retorno, e a situação só tende a ficar pior. A solução seria desenvolver alternativas ao petróleo antes da produção atingir o ponto máximo, mas aí entra o fator humano: porque as pessoas iriam querer uma custosa transição para uma base produtiva menos dependente de petróleo se até agora elas não tiveram problema algum em mantê-la? Este é o grande desafio das economias industrializadas no século XXI: como fazer a trasnsição para uma economia de baixo carbono enquanto isso ainda é possível, pois quando os recursos estiverem se esgotando, as pessoas tenderam a exigir estes recursos para as necessidades mais urgentes (por exemplo, produção de alimentos), e assim dificilmente haverá os recursos necessários para uma mudança tão grande na base tecnologica da produção. O resultado é potencialmente catastrófico: caso a transição não seja feita a tempo, corremos o risco de ter de nos conformar com um padrão de vida da primeira revolução industrial no futuro.

Os textos que me levaram a escrever este artigo se inserem nesta discussão: a teoria do pico de Hubbert é válida ou não? O primeiro artigo, do post-carbon, aceita a teoria como pressuposto e não a discute, trazendo apenas a informação de que o mundo pode atingir o pico de produção já em 2013, o que nos colocaria numa posição muito díficil, pelos motivos tratados anteriormente. Já o segundo, do WSJ, trata justamente da validade da teoria: uma vez que vemos a produção aumentando em varios lugares em que foi previsto o pico, não seria mais provável que a produção de petróleo continuasse aumentando junto com a eficiência energética da produção, levando a uma substituição "lenta e gradual" do petróleo por outras fontes?

É uma questão válida. Porém, uma leitura mais atenta do artigo nos leva a ver que ele incorre num erro muito comum na minha área de atuação: o erro de se considerar as coisas como sendo homogêneas, como apenas números numa planilha. Apesar de ser tratada como tal, a produção de petróleo não é homogênea: existe distinção entre petróleo leve, petróleo pesado e minerais betuminosos. O petróleo leve corresponde a primeira fase da produção de petróleo: fica próximo a superfície e é de fácil refino. É o petróleo mais valioso, explorado principalmente no Oriente Médio, pois em muitos outros lugares ele já foi esgotado. O petróleo pesado fica mais distante da superfície e é mais dificil de refinar, implicando em maiores custos de produção. É o petróleo do pré-sal e da bacia de Campos. Por fim, os minerais betuminosos são minerais como as areias negras canadenses, que apesar de não se encontrarem em forma de oléo puro, podem ser triturados para se extrair o petróleo que existe neles e separá-los dos outros minerais. O custo de extração do petróleo a partir de minerais betuminosos é o mais alto de todos, além do fato de que sua extração é de longe aquela que mais danos causa ao meio-ambiente.

Este é o grande erro do artigo do WSJ: o aumento da produção de petróleo hoje se dá principalmente pela produção de petróleo pesado, uma vez que as reservas de petróleo leve ou já se esgotaram ou já estão sendo exploradas. A extração de petróleo pesado, com seus maiores custos, leva ao aumento do preço do petróleo. Uma vez que o petróleo é usado em praticamente tudo produzido, o aumento muito forte de seu preço leva ao fenômeno conhecido como estagflação , quando os preços sobem e a produção diminui. Isto ocorre por um motivo muito simples: se o preço de todos os bens aumentam ao mesmo tempo, o poder aquisitivo da população cai, fazendo com que o consumo caia. Sem demanda, a produção se contrai. A produção de petróleo pode aumentar muito, uma vez que é possível até mesmo extrair petróleo do carvão, mas o custo disso seria absurdo. Não é uma questão de simples oferta de petróleo, e sim de que esta oferta possa ser realizada a custos compatíveis com que a sociedade pode arcar. No limite, os custos de produção podem ficar tão altos por causa da dependência de petróleo que nem a renda total somada da sociedade possa garantir o mínimo para todos. Isto seria o colapso de nosso sistema produtivo, algo que pode ser evitado se agirmos enquanto ainda é tempo.

PS: Em uma palestra recente com um renomado economista do Banco Mundial, eu tive o desprazer de vê-lo responder a uma pergunta sobre os limites naturais a produção com a idéia de que não haveria colapso, pois a situação seria resolvida através do aumento dos preços. Espero que tenha ficado claro aqui que o colapso se dá por meio do aumento de preços, não sendo este uma alternativa a ele.

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