sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Crise, o Maior Produto Alemão de Exportação

  De todos os lados vêm críticas e pressões para que a Alemanha aceite que o Banco Central Europeu passe a ter a mesma função que tem na maioria dos outros países do mundo (Brasil e EUA incluídos), o de emprestador de ultima instância. Analistas defendem que isso resolveria a crise, pelo menos por enquanto. Ser emprestador de ultima instância significa que, tendo o poder de imprimir moeda, o BCE poderia comprar os títulos dos países em dificuldades, o que faria com que o preço destes títulos subissem e consequentemente, que as taxas de juros necessárias para que estes países se financiem caíssem, o que recuperaria a solvência de países como a Itália e Portugal (a situação da Grécia já é muito difícil para que esta solução funcione lá) e evitaria o colapso do euro. Porque então a Alemanha continua a se opor?
O argumento oficial é de que se o BCE passasse a ser emprestador de ultima instância, perderia sua independência e estaria sujeito aos caprichos dos países membros, que se sentiriam a vontade para gastar mais do que podem tendo a certeza de que teriam recursos, o que arrasaria a credibilidade das políticas econômicas e as tornaria ineficientes a longo prazo. Ou seja, se baseia no dogma ortodoxo da credibilidade como o fator mais importante para a economia (cujos efeitos nefastos eu tratei aqui e aqui).

 Apesar de fazer sentido dentro da teoria econômica ortodoxa, eu acredito que exista outro fator, de igual ou maior importância, e de cunho muito mais pragmático para que a Alemanha se recuse a aceitar o BCE como emprestador de ultima instância: o fato de que, nas regras atuais, a Alemanha mantêm seu crescimento a custa da crise nos outros países da zona do euro.
 Para compreender isto, precisamos entender que um país, para que sua economia tenha um bom desempenho, precisa produzir e vender sua produção a um preço que permita aos empresários realizar uma taxa aceitável de lucro. Caso isso não ocorra, os empresários param de investir no país, e sua economia afunda cada vez mais. Para que seja possível vender a produção a este preço, o país precisa ser competitivo: se os produtos de fora do país forem mais baratos que aqueles produzidos internamente, o país não conseguirá exportar sua produção e também seu mercado interno será abastecido por produtos importados, uma vez que para o consumidor o que mais importa é o menor preço, e não a origem daquilo que consome. Mas o que determina a competitividade?
 A competitividade depende de muitos fatores, mas podemos dividi-los em dois grupos: política comercial e competitividade estrutural. A política comercial tem como seus principais componentes as tarifas, impostos sobre produtos importados que os tornam mais caros que os similares nacionais (como o aumento do IPI realizado pelo governo recentemente) e a taxa de câmbio, o preço da moeda estrangeira em termos da moeda nacional. Quanto mais cara for a moeda estrangeira em termos de moeda nacional, mais caros serão os produtos importados (basta comparar a situação atual com 2002-3). A competitividade estrutural, por sua vez, se refere aos custos de produção: quanto menores, mais competitivo o país será. Notem que a competitividade estrutural é composta de fatores "benéficos", como maior produtividade relacionada a tecnologias mais avançadas e melhor infraestrutura, e por fatores "maléficos" (pelo menos do ponto de vista da população), como menores salários e menos beneficios para a população carente.
 Quando um país entra na União Européia, ele abre mão de sua política comercial, uma vez que fica proibido de impor tarifas sobre produtos importados de outros países da UE e perdem a capacidade de influenciar a taxa de câmbio, uma vez que adotam a moeda comum, o euro, uma das mais valorizadas do mundo (cotada neste exato momento, em R$ 2,39). Assim, para estes países competirem, eles dependem unicamente da competitividade estrutural. E a Alemanha é o país com uma das maiores competitividades estruturais da Europa, não apenas devido a sua maior produtividade,como também pela política salarial adotada na última década.
 Concluindo: a Alemanha, enquanto a zona do euro se manter da forma como vem sendo mantida, se beneficia da "exportação" da crise para os países mais fracos da Europa. É do interesse deles manter a situação atual, que penaliza apenas os países mais fracos, mesmo a custa de arriscar a própria existência da UE.

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